sexta-feira, 27 de junho de 2008

Um olhar histórico sobre a investigação educacional

No âmbito da actividade 1, despertou-me a atenção uma pequena abordagem histórica que a equipa verde apresentou na introdução do trabalho que elaborou no âmbito desta actividade. Considerei que seria pertinente aprofundar o assunto mais um pouco.
Encontrei um artigo que me pareceu adequado a este propósito:


LANDSHEERE, G. (1993). History of Educational Research. In Hammersley, M. (edt.). Educational Research – current issues (pp.3-15). London: Paul Chapman Publishing.

Na minha intervenção no espaço de discussão do trabalho da equipa verde refiro este artigo, acrescentando uma indicação muito genérica sobre o seu conteúdo.
Fica agora aqui uma análise mais aprofundada:

No seu artigo, Landsheere analisa os seguintes períodos de tempo: antes de 1900, entre 1900 e 1930, entre os anos 30 e final da década de 50, as décadas de 60 e 70.
Antes de 1900: num espaço de tempo de 25 anos a investigação educacional emergiu e dedicou-se, de imediato, a problemas educacionais que ainda hoje são actuais.
Na base desse surgimento estão séculos de experiências educacionais e de pensamentos filosóficos e o forte desenvolvimento das ciências naturais no decorrer do século XIX. Já Kant, Herbart e Pestalozzi se aproximam da ideia da escola experimental. Preyer, com base na observação de crianças publica em 1882 um estudo pioneiro na área da psicologia do desenvolvimento, Die Seele des Kindes (A alma da criança).
A partir da segunda metade do século XIX, as ciências naturais começam a influenciar a psicologia e a educação. Surgem diversos testes para medir aptidões, capacidades, conhecimentos. Começa a ser utilizada a estatística. Surgem laboratórios de psicologia (James, em 1875), onde se procede a observações sistemáticas.
Pode, portanto, concluir-se que a origem imediata da investigação educacional moderna está nas ciências naturais: Darwin (1859) liga a investigação sobre o Homem com a física, a biologia, a zoologia e a geografia. A psicologia e a educação experimentais surgem num laboratório de física alemão com investigadores com forte formação filosófica. Foi a partir da Alemanha e das suas universidades que as teorias de investigadores como Wundt se disseminaram pela Europa e os Estados Unidos. As publicações sucedem-se rapidamente. Tal é particularmente visível nos Estados Unidos nos primeiros anos do século XX, altura em que Thorndike começa a interessar-se por investigação educacional, que defendia ter uma orientação científica.
Foi Thorndike o primeiro a conceber modelos de ensino baseados em teorias da aprendizagem empiricamente testadas. Muitos consideram que Thorndike abriu as portas a uma nova era no ensino.
O desenvolvimento da investigação quantitativa, entre 1900 e 1930: época marcada por um forte domínio da orientação quantitativa e um desenvolvimento centrado em estudos de eficácia.
O Taylorismo e o behaviorismo norteiam a investigação educacional.
Alguns aspectos das actividades investigativas desta época, são representativos a postura assumida pelos investigadores: a teoria estatística, a testagem e a avaliação, surveys administrativos e normativos, desenvolvimento curricular e avaliação.
Teoria estatística: os próprios investigadores da área da investigação educacional, face à complexidade do seu objecto de estudo, sentem necessidade de desenvolver e refinar as técnicas estatísticas. Por exemplo, na primeira década do século XX, Pearson e Yule foram fundamentais no desenvolvimento do método de correlação, incluindo a teoria da regressão. A fiabilidade é medida através da fórmula Spearman-Brown. São também dados os primeiros passos no sentido das diferenças estatisticamente significativas. Em 1908, Gossett (sob o pseudónimo de Student) formula o princípio do t-test. Schuyten começa, em 1903, a utilizar grupos de controlo, McCall introduz e prova a importância do random sampling dos grupos. Finalmente, Fisher publica na Inglaterra, em 1925, a sua obra Statistical Methods for Research Workers e, em 1935, The Design of Experiments.
Testagem e avaliação: Embora haja testes anteriores, em 1905 surge aquele que é considerado o primeiro teste válido e operacional como instrumento de medição mental (Binet e Simon). Começa também a surgir a testagem em grupos e são aplicados testes em larga escala (ex. forças armadas americanas). Em 1928, nos Estados Unidos, já havia à volta de 1300 testes standard. A utilização de testes mentais generalizou-se pela Europa, a América do Norte e do Sul e pela Austrália. Os testes para medir o aproveitamento foram mais lentos a serem desenvolvidos e a entrarem nas salas de aula.
Surveys administrativos e normativos: Já em 1817 Jullien surge como o fundador da educação comparativa com base no seu questionário nacional e internacional com 34 páginas. Mas só no final desse século, Hall desenvolveu a técnica de questionário moderna para mostrar, entre outros, que o que é óbvio para um adulto não o é necessariamente para uma criança (estudo com implicações directas na educação). Entre 1890 e a primeira metade do século XX a aplicação de surveys, sobre as mais diversas áreas da educação e em grandes dimensões, floresce. Um conhecido exemplo é o Eight-Year Study (1933-1941) da Progressive Education Association nos Estado Unidos, que deu origem à obra Basic Principles of Curriculum and Instruction de Tyler com o seu modelo para a definição de objectivos. Seguiu-se, em 1956, a publicação da taxonomia dos objectivos educacionais de Bloom, que ainda hoje marca o pensamento sobre a definição de objectivos, o desenvolvimento curricular e a avaliação.
Desenvolvimento curricular e avaliação: O currículo sempre foi um dos focos de interesse da investigação educacional. Já em 1900 Meumann desenvolveu um estudo científico sobre as disciplinas escolares. Segue-se a mudança radical com as teorias de Thorndike. Em 1918, Bobbitt publica O Currículo.
Entre a década de 1930 e o final da década de 1950: A crise económica dos anos 30 e a conjuntura política em alguns países dificultaram a actividade investigativa – situação agravada, na Europa, pelos anos de guerra e de pós-guerra. No entanto, houve ‘bolsas de investigadores’ que continuavam a investigar, apesar das proibições e limitações políticas. Exemplo disso são os estudos de Lura e Leontief baseados na obra Thought and Language de Vygotky.
Nas décadas de 40 e 50 o grande campo de interesse eram os estudos sociológicos, principalmente nos Estados Unidos. Exemplo disso são estudos efectuados que provavam o papel da escola na manutenção das diferenças sociais e práticas discriminatórias. O impacto deste estudo teve reflexo no surgimento de novos tipos de escola (ex. comprehensive high schools em Inglaterra). O interesse em estudar a disparidade das oportunidades educacionais mantém-se até à actualidade.
As décadas de 60 e de 70: Especialmente nos Estados Unidos o início deste período de tempo foi marcado pelo generoso financiamento para investigações e o desenvolvimento curricular, nomeadamente nas áreas das ciências e da matemática. Também em Inglaterra e na União Soviética foram visíveis investimentos na educação, traduzindo-se no aumento do número de investigadores. Vivia-se numa atmosfera de desencantamento, falava-se na crise mundial. A educação ‘tradicional’ é posta em causa.
Neste contexto surgem debates epistemológicos fundamentais, inspirados por estudiosos como Polanyi, Popper, Kuhn e Piaget. Estes apercebiam-se tanto da explosão contemporânea do conhecimento como da compreensão ainda muito superficial dos fenómenos humanos.
Começam a reforçar-se as correntes que defendem a importância de métodos alternativos aos quantitativos, de tradição positivista.
A disponibilidade de financiamento, o desenvolvimento das tecnologias (com destaque para o computador) e a ‘explosão’ de conhecimentos em área como as ciências físicas e sociais (especialmente na psicologia, na linguística, na economia e na sociologia) estimularam o desenvolvimento na área da investigação educacional.
Algumas das realizações científicas na área da educação na década de 60 são: avaliação sumativa e formativa, análise da interacção professor-aluno, investigação da eficácia do professor, educação de adultos, desenvolvimento de novos curricula,...

Comentário: Este artigo parece-me muito interessante, porque, além de transmitir uma perspectiva histórica da investigação educacional, permite entender melhor o surgimento de alguns dos estudos, das teorias e dos conceitos abordados em outras Unidades Curriculares.

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