No espaço de discussão do trabalho da equipa azul, da qual faço parte, no âmbito da actividade 1, surgiu um debate opondo aquilo a que, a certa altura, chamámos de investigador-investigador (alguém que se dedica maioritariamente à investigação, um investigador profissional) ao professor-investigador.
Com o intuito de esclarecer estes conceitos, decidi ler um artigo de Hammersley com o título ‘On the teacher as researcher’. (HAMMERSLEY, M. (1993). On the teacher as a researcher. In Hammersley, M. (edt.). Educational Research – current issues (pp.211-231). London: Paul Chapman Publishing.)
Ficam aqui os apontamentos que fiz dessa leitura:
Actualmente existe uma corrente forte que defende que a investigação educacional deveria ser uma parte integrante do trabalho dos professores nas escolas e nas suas salas de aula, em vez de ser uma actividade realizada por pessoas exteriores à escola.
No entanto, esta ideia não é recente. Na década de 50 do século passado existiu um movimento significativo que defendia que os professores e os administradores deveriam desenvolver projectos de investigação-acção que contribuíssem para a melhoria das suas práticas. Corey era, na altura, um dos mais acérrimos defensores desta ideia. Acreditava, juntamente com outros teóricos, que o método científico servia para resolver problemas na área da educação e inspirava-se na obra de Dewey, que acreditava que as recomendações científicas só podem ser testadas através da prática – portanto, nesta perspectiva, o professor é um investigador que testa a teoria educacional.
Também na Grã-Bretanha a ideia do professor investigador ganhou força, nas décadas de 60 e 70, devido à reforma curricular, a ser implementada nas escolas. Com esta reforma e as dificuldades que com ela surgiram, o professor começou a ser visto como um especialista (em oposição à ideia de técnico) que reflecte constantemente sobra as suas práticas, tendo em conta os ideais e o conhecimento do contexto local. Estas reflexões deveriam, depois, traduzir-se na melhoria das práticas. [diferença entre a corrente americana e a britânica: professor que testa teoria e, a partir daí, tenta melhorar as suas práticas vs professor que reflecte sobre a sua prática, para, a partir dessa reflexão, tentar melhorar as suas práticas]
Portanto, começou a haver uma mudança de foco de atenção: dos resultados para os processos. Esta mudança foi acompanhada pela crescente utilização de métodos qualitativos (adaptados a partir da investigação nas áreas da sociologia, da antropologia e da história) – entendia-se que o método qualitativo estava mais adequado para ‘lidar’ com contextos locais específicos e os resultados eram apresentados de uma forma que podia não só ser compreendida por investigadores, mas também pelos professores, os pais e a comunidade em geral.
Um dos grandes impulsionadores destas mudanças na Grã-Bretanha foi Stenhouse, que considera que ensinar é um processo em que o professor aprende como melhorar o seu ensino. [daí também o interesse de Stenhouse no estudo de caso!!! – ver resumo de What is case study? de Bassey]
Stenhouse, citado por Hammersley (p.214), defende os seguintes pressupostos para este ‘novo’ professor:
‘- the commitment to systematic questioning of one’s own teaching as a basis for development;
- the commitment and the skills to study one’s own teaching;
- the concern to question a to test theory in practice by the use of those skills;
- readiness to allow others to observe your work and to discuss it with them on an honest, open basis.’
Deste modo, Stenhouse defende que existe uma diferença entre o professor-investigador e o investigador profissional [o ‘nosso’ investigador-investigador’]. O primeiro deve desenvolver estudos de caso baseados numa atitude colaborativa. O segundo deve desenvolver investigações no sentido de elaborar teorias gerais.
Quais são, então, as principais críticas que os defensores do professor-investigador fazem à investigação educacional convencional?
Hammersley (p.215) apresenta quatro que, dependendo do autor, se revestem de maior ou menor importância:
‘1- That it is largely irrelevant to the practical concerns of teachers.
2- That it is often invalid because it is separated from the object that it claims to understand: notably, the classroom practice of teachers.
3- That it is undemocratic in that it allows the views of educational researchers to define the reality in which teachers are forced to work.
4- That it amounts to a process of exploitation.’
Segue-se uma análise de cada uma das críticas:
Irrelevância:
Um dos argumentos que, supostamente, confirmam a irrelevância é o facto dos professores não lêem sobre investigação educacional ou que, quando lêem, não consideram que seja interessante (ideias defendidas por Burgess, Kemmis, Hustler, Cassidy e Cuff). Mas, segundo Hammersley, tal desinteresse não está provado e poderá ser confundido com incerteza e insegurança.
Por outro lado, o facto de os professores não parecem interessados, não retira a relevância aos novos conhecimentos da investigação educacional.
Hammersley considera que o grande problema da relevância da investigação educacional é o facto dos professores esperarem que ela forneça soluções para os problemas concretos que têm de enfrentar na sua actividade. Mas o autor considera que esta expectativa é impossível de cumprir (apesar dos investigadores, por vezes, afirmarem o contrário para garantir o financiamento das suas investigações) por duas razões:
1- O facto de um determinado problema ser investigado não garante que seja encontrada uma solução para ele. [parece um argumento óbvio, mas frequentemente esquecido!]
2- Os contextos em que os professores desenvolvem o seu trabalho são tão específicos e mutáveis, pelo que a sua acção concreta e as decisões que têm de tomar dificilmente poderão depender somente de um conjunto de regras abstractas.
Neste sentido, a investigação educacional não deve ser vista como uma fonte de soluções, mas uma fonte de informação que pode ser relevante e útil para a prática do professor. [!]
Outro argumento comprovativo da irrelevância parece ser o de que os investigadores se debruçam sobre problemas que eles próprios formulam – portanto, não são coincidentes com os dos professores.
Embora Hammersley considere que este argumento não corresponde totalmente à verdade, afirma que, mesmo que fosse, isso não seria necessariamente negativo. O valor da investigação educacional não reside somente no valor que os professores lhe atribuem – até porque não são o único ‘público’ da investigação educacional.
Hammersley, considera que muitos dos assuntos abordados pela investigação educacional, como, por exemplo, a consequência do tamanho das turmas no aproveitamento ou o cumprimento das expectativas do professor, deveriam interessar a todos os professores: ‘What teachers ought to be concerned about cannot be decided by what they are in fact concerned about.’(p.217) [uma frase forte que põe em causa a postura da maioria dos professores face à investigação educacional ‘tradicional’! – segundo este autor temos, portanto, de ‘ver mais longe!’] A (ir)relevância é uma questão complexa!
Invalidade:
Um argumento que é apresentado para sustentar a ideia da invalidade dos resultado é o facto das investigações serem desenvolvidas por outsiders. Parte-se, portanto, da ideia que só se conhece se formos parte da realidade (p. ex. como observador-participante). Hammersley refuta este argumento com ideia que todo o conhecimento é construído e, como tal, não temos conhecimento directo do mundo [!].
Segue-se a análise de mais quatro argumentos à volta da invalidade:
1- Os professores têm acesso às suas motivações, intenções, seus pensamentos e sentimentos. Hammersley contra argumenta podem não ter um conhecimento tão aprofundado de si mesmos. Além disso, têm dificuldades em analisar o contexto mais alargado, uma vez que estão envolvidos.
2- O professor, geralmente, conhece o ‘desenvolvimento histórico’ da situação e é conhecedor de informação privilegiada por acompanhar directamente toda situação. Hammersley contra argumenta que a informação que um participante tem sobre uma determinada situação está condicionada (ou até distorcida) pelo papel que nela desempenha – não tem, portanto, toda a informação.
3- O professor já conhece e tem ligações com as outras pessoas do contexto, pelo que lhe é fácil pedir informações. Hammersley contra argumenta que as ligações que o professor tem incluem e excluem pessoas – novamente, a informação recolhida não será completa. Para além disso, as relações pessoais podem condicionar/limitar as perguntas que o professor possa fazer.
4- Uma vez que os professores são actores chave nos contextos estudados, eles podem testar as ideias teóricas. Hammersley contra argumenta que há situações em que o testar de uma teoria pode entrar em colisão com as boas práticas.
Hammersley conclui que nem o professor está numa situação privilegiada, nem o investigador – ambos têm vantagens e limitações e ambos podem desenvolver trabalhos válidos.
Falta de democracia:
Segundo Hammmersley, este argumento tem por base a ideia de que os investigadores académicos são mais apoiados nas suas investigações, têm mais hipóteses de divulgação do seu trabalho e, consequentemente, são mais ouvidos.
Hammersley refuta: 1- os professores, nas escolas e nas comunidades, têm muito mais força e são mais ouvidos – a palavra escrita da investigação educacional não tem tanto poder; 2- os resultados da investigação educacional têm pouca influência sobre os decisores políticos, o que fica evidente nas decisões que estes, por vezes tomam.
Exploração dos professores:
Este argumento tem a ver com a ideia de que o investigador investiga para seu próprio interesse. Hammersley, no entanto, diz que o investigador tem sempre de pedir e negociar autorização para poder fazer os seus estudos e, mesmo com autorização, pode correr o risco de que esta lhe seja retirada.
Outro argumento tem sua base na ideia de que o investigador apresenta o conhecimento do professor como sendo seu. Hammersley, no entanto, alerta para o facto de haver sempre um added value, por parte do investigador, que é difícil de medir, mas que fundamental para os resultados da investigação.
Os defensores do professor-investigador não criticam somente a investigação educacional convencional – também criticam a ideia de ensino como transmissão de conhecimento. O ensino tradicional deveria, assim, ser substituído por uma pedagogia mais próxima do processo investigativo, o que exige uma abordagem diferente aos conteúdos curricular e uma postura de constante reflexão e melhoria por parte do professor.
Neste sentido, Stenhouse considera que, tanto o professor como o aluno assumem o papel de investigadores.
Hammesley defende que os defensores do professor-investigador estão a cair num paradoxo: por um lado reduzem o professor e o aluno ao mesmo papel, por outro querem promover o profissionalismo do professor.
Além disso, o autor questiona-se até que ponto o acto de ensinar deve ser visto como um questionamento e reflexão e de que tipo de questionamento estamos a falar – nem todo o questionamento, nem toda a reflexão são investigação, nem tão pouco garantem, por si só, a qualidade dos seus resultados. Pode-se, inclusivamente, correr o risco do intento investigador se sobrepor ao acto de ensinar, o que pode ter consequências negativas.
Algumas das conclusões do autor são:
1- a actividade do professor-investigador pode ser útil, mas não substitui a investigação educacional convencional.
2- existe um paradoxo entre o modelo de ensino defendido (professores e alunos como investigadores) e a promoção e a valorização do profissionalismo do professor.
3- Não se pode confundir o papel do professor-investigador, que é valioso dentro do seu âmbito, com o do investigador profissional , valioso noutro âmbito. A confusão entre ambos seria negativa, tanto para a investigação como para o ensino.
Comentário: Trata-se de um artigo muito crítico em relação ao papel do professor-investigador. Penso que a intenção do autor não é diminuir o papel do professor-investigador em relação ao do investigador profissional – antes considero que Hammersley sentiu necessidade de desconstruir alguns argumentos dos defensores do professor-investigador, com que parecem tentar defender os resultados destes como mais valiosos e verdadeiros do que os da investigação convencional.
No fundo, penso que devemos ter em mente que os objectivos de um e do outro são diferentes. O que me parece é que, tanto o professor-investigador como o investigador profissional são fundamentais e, sobretudo, complementares em investigação educacional.
sábado, 28 de junho de 2008
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário